São José, o justo que acolhe o Mistério
São José é o homem escolhido por Deus
para definir a história e agir de modo decisivo.
São José é grande, importante e decisivo na nossa Fé, mas ainda desconhecido e pouco amado entre nós.
Esta segunda constatação entristece os que o amam e com ele se emocionam. Contudo, também é um estímulo para que ele seja conhecido, compreendido e proposto como paradigma do homem de Deus. Em torno de São José existem alguma ideias erradas e equívocos, que se expressam nas devoções e nas interpretações artísticas a seu respeito. Devemos olhar José dentro do Mistério da Revelação e da entrada de Deus na História, que chamamos de Encarnação. É isso que queremos abordar aqui, ainda que de modo breve.
Ele faz que o Evangelho seja vivo e real e a vida um lugar de Fé e esperança.
1. Conhecer José
José aparece no Novo Testamento, de modo especial no Evangelho segundo Mateus. Nos capítulos um e dois deste Evangelho, José entra em cena, age, reage, faz a história acontecer. Os primeiros escritores da Igreja se referiam a São José. Foram Inácio de Antioquia (falecido entre 107 e 110), Justino, Mártir (que viveu entre os anos 100 a 165, aproximadamente), Hopólito de Roma (170 a 235) e muitos outros. É importante afirmar isso, pois às vezes se afirma que São José, fora os Evangelhos, era desconhecido na literatura cristã antiga. O caso é que ele não ocupava o lugar mais destacado dos argumentos teológicos e sim Jesus Cristo. Aos poucos, quem despontou a ser compreendida foi Maria, Mãe de Jesus. E isso se desenvolveu notavelmente na antiguidade. José, por sua vez, ficou meio à sombra. É hora de conhecê-lo e amá-lo!
Para conhecer José é preciso olhar os Evangelhos, de modo especial o Evangelho segundo Mateus. Depois, compreender o conjunto da mensagem Cristã, presente no Novo Testamento. E olhar os escritores antigos, desde o primeiro século até aqueles do século 17. A partir deste século São José é mais destacado na Teologia e na Pastoral. O que chama a atenção é que, apesar disso, há muita limitação na compreensão de seu papel na Salvação e na Fé Cristã. Ele é facilmente visto de modo mais folclórico e, inclusive, mal interpretado.
2. Compreender José
Ele é um judeu fiel, do primeiro século de nossa era. Sua família era a de Davi, como lemos em Mateus, no capítulo um. Ele tinha, portanto, “sangue real”. Era desta família que deveria nascer o Messias. Tanto é que, na anunciação, em sonho, o anjo o identifica como “Filho de Davi”. O único personagem chamado de “filho de Davi”, é um homem decidido, que não espera as coisas acontecerem, mas sim as faz, coloca em andamento os fatos. A fidelidade é a qualidade de quem tem Fé. Esta não é esperar ou obter coisas boas e favoráveis. É sobretudo aderir ao Mistério de Deus. Fidelidade, qualidade da Fé e da pessoa de Fé, é um traço forte na personalidade de José, o que é alcançado com retidão, com atenção ao que é importante, com clareza nas ações. Durante muito tempo o personagem José foi visto como um fazedor de milagres, tipo “impossíveis”. Isto atrai muito a atenção dos devotos, que precisam de soluções rápidas. Então se entende o que dizem alguns místicos sobre São José, como “São José não falha!”, no sentido de que realiza tudo o que se pede. Sim, isso pode ser e é real. Mas José é mais do que isso!
José sabe o que está acontecendo com Maria, diversamente do que se diz, muitas vezes, que ele estava “atrapalhado”, “confuso”, “envergonhado”… Isto é absurdo!
José sabe e conhece que, em Maria, estava acontecendo a ação de Deus. Se ele planeja afastar-se de Maria, não era porque desconhecia o motivo de sua gravidez, mas sim porque sabia e tinha certeza da ação de Deus. Por isso ele decide afastar-se, dando espaço para Deus na sua esposa. Isto é ato de Fé, não confusão ou vergonha.
O caso é que não conhecemos devidamente as realidades dos judeus da Palestina no início do primeiro século, bem como os cristãos que receberam o Evangelho segundo Mateus e que compreendiam devidamente as ações dos personagens ali apresentados. Ora, José está comprometido em casamento com Maria. Seguramente desejavam partilhar a vida e criar uma família, possivelmente numerosa. Subitamente, algo extraordinário aconteceu na vida destes jovens. Maria deveria ter seus 14 a 16 anos e José não podia ultrapassar os 25 anos. A identificação de José como idoso vem de alguns escritos do século segundo em diante, chamados de “apócrifos”, que descrevem José de modo diferente do que se conhece no Evangelho. A função da “velhice” de José é defender a virgindade de Maria. Um idoso, de mais de 90 anos, não poderia tocar na intimidade de uma jovem de cerca de 15 anos. Mas isso não está em Mateus ou Lucas, nem é muito lógico!
Então, José é um jovem judeu, atento à ação de Deus na História, como os antigos Patriarcas o foram. Como Abraão, ele percebe que deve caminhar na Fé, confiando. Mas antes disso ele decide afastar-se de Maria, pois nela Deus estava agindo. Ora, José é “justo”, isto é, um dos que estão profundamente marcados pela ação de Deus e o respeitam inteiramente. Por isso é que ele, José, decide afastar-se de Maria. Não é porque está envergonhado ou atrapalhado, mas porque sabe, realmente, o que está acontecendo.
Isso, contudo, gera, um problema: como deixar um compromisso de matrimônio sem um bom motivo?
Dizer a verdade não iria ajudar, pois talvez Maria e José cairiam em descrédito. É assim que José toma a corajosa decisão: decide “desligar” Maria de seus compromissos de matrimônio, mas em segredo. Apenas ela e ele saberiam. Mais ou menos assim: eles sabiam o motivo, mas os outros pensariam que José havia deixado, abandonado Maria, que estaria esperando um filho dele.
É real que nas traduções do Evangelho de Mateus nós lemos: José, seu esposo, sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, resolveu repudiá-la em segredo (1,19). Se tomamos o verbo “repudiar” e o traduzimos por “desligar”, tudo passa a ser compreendido melhor. “Repudiar” dá a ideia de rejeitar, afastar de modo agressivo. Mas não é esta a realidade. Para José parecia que ele deveria “desligar” Maria dos compromissos do matrimônio, pois ele, José, por ser justo, sabia que devia afastar-se de Maria, dando espaço para Deus na sua vida. Ocorre que a palavra que se encontra lá, em Mateus 1,19, pode ser traduzida, do grego para o português, não apenas como repudiar, mas como desligar. Não sei porque esta tradução de “repudiar” é a comum. Ela é usada e, infelizmente, transmite uma imagem inadequada da situação que envolve José e Maria, no momento decisivo da Encarnação.
3. Propor José
Propor o personagem José é apresentar, aos fiéis, um elemento indispensável da vida de Jesus Cristo e de seu Evangelho: sua humanidade e sua história concreta. José representa o mundo circundante de Jesus, sua identidade histórica, sua Fé judaica e sua visão de mundo iluminada pelo Mistério que ele conheceu antes de todos os demais: a presença do Filho de Deus, o Messias esperado por Israel e agora oferecido à Humanidade. Ao redor de José e sob sua proteção o Filho de Deus entra na História de modo decisivo, sem mediações. Ele precisa nascer, crescer, aprender, escolher, se expor. Tudo isso é José que acolhe em Jesus, que o ensina, que transmite. José é o educador do Filho de Deus.
Podemos e devemos propor José como modelo de Justo, que é a pessoa fiel à vontade de Deus, aos compromissos que nascem na realidade em que vivemos. José é fiel. E é pai! Em Lucas 2,48, quando Jesus é reencontrado no Templo, depois de três dias de sua procura, Maria pergunta e afirma: “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos te procurávamos!” Maria não receia indicar José, seu esposo, como pai de Jesus. E Jesus, por sua vez, afirma que deveria estar na casa de seu Pai, que é o próprio Deus. E de onde ou de quem Jesus aprendeu a paternidade? Claramente que de José, que ele devia chamar de pai.
Propor José é entender melhor a paternidade, a realidade humana, a identidade de cada pessoa. Propor José é entender que a Salvação acontece nas decisões pessoais, nos compromissos de vida e de história. É enxergar a Fé e a Esperança de modos diferentes, renovados, muito concretos e reais. É crer na Justiça e na verdade do que dizemos que cremos.
Pe. Mauro Negro, OSJ
Biblista, PUC São Paulo